Antes da pandemia, já vivenciávamos a onda de metodologias ativas, cultura maker/hands on, apoio das tecnologias digitais em aulas presenciais ou no modelo de ensino híbrido e o discurso sobre a necessidade do protagonismo do aluno na aprendizagem. Agora, diante dessa necessidade rápida de transformação decorrente da ausência do espaço físico da sala de aula, a tecnologia digital tornou-se primordial para a manutenção da aprendizagem. É preciso continuar entregando conteúdos aos alunos, encontrar meios para manter um diálogo rico e vencer um grande desafio: manter a qualidade do processo de ensino-aprendizagem considerando todas as novidades e limitações deste período. E aí? Qual o papel do professor?

Embora o processo de ensino-aprendizagem tenha se transformado e o distanciamento social impossibilitando o contato físico com os alunos em uma sala de aula presencial, o vínculo afetivo e ético entre professores e alunos precisa estar mais forte do que nunca. O  afeto vai muito além do aspecto emocional. Afetar é tirar o aluno de um lugar confortável, dando-lhe possibilidades para conhecer outros modos de vida e esse cenário é, portanto, uma excelente oportunidade para trabalharmos a ideia de protagonismo do aluno.

E para isso, é preciso entender a diferença entre protagonismo e autodidatismo

Quando falamos de autodidatismo, estamos falando de um indivíduo que, sozinho, consegue buscar e entender um material e/ou conteúdo necessário para a sua aprendizagem em determinada área. Lê um texto, segue as instruções de um curso e consegue, sozinho, identificar dúvidas e buscar fontes de esclarecimento.

O protagonismo está associado ao recebimento de orientações, à presença de alguém que o instigue a aprender, apresentando situações, desafios, problemas, mediando os percursos de aprendizagem e, principalmente, dando feedbacks sobre o que está sendo feito. O  estudante conseguirá protagonizar o caminho de sua aprendizagem desde que tenha alguém para mediar esse processo. Ou seja, não adianta pensar que a responsabilidade do professor é disponibilizar um material e a do aluno é fazer tudo sozinho depois que o material estiver disponível. Essa mediação envolve um abandono da gestão paternalista  de organização das aulas em que tudo está pronto para ser “consumido” e absorvido pelo aluno e um trabalho árduo com a criatividade, a colaboração, a investigação, pensamento crítico. 

O grau de protagonismo e autonomia é particular para cada aluno. Alguns preferem instruções mais precisas, específicas, outros mais gerais. Da mesma forma, uns preferem ser desafiados, gostam de atividades com alto nível de complexidade; , resolver problemas, fazer pesquisas, outros resolver tarefas determinadas pela instrução exata do professor ou pelo livro didático. Também é papel do professor considerar esses diferentes perfis e criar possibilidades metodológicas diversificadas. 

A transposição didática do conteúdo é algo que precisa de atenção. Não se pode, mecanicamente, passar os conteúdos que seriam escritos na lousa ou que estão em uma apresentação no powerpoint para uma plataforma digital e esperar que o ensino remoto seja um sucesso. Aproveitar os momentos sincrônicos para passar instruções precisas, direcionamentos, incentivar, acolher, considerar que as diferenças no ritmo de aprendizagem se acentuaram nesse período, são questões que precisam ser pensadas. 

A curadoria também é uma tarefa bastante essencial para o professor. Oferecer materiais com conteúdos relevantes é um desafio. A informação está disponível em uma quantidade enorme e escolher o que, de fato, poderá contribuir para a formação integral dos alunos pode ser um caminho de sucesso. Os conteúdos curriculares são muito importantes mas é hora, também, de falar sobre  o valor e sentido da vida, sobre relações humanas e a diversidade, sustentabilidade, projeto de vida, saúde mental e papel da ciência.

A curadoria pode ajudar muito na conversa sobre esses temas, abrindo espaço para diálogos, acolhimento, pensamento crítico. Troque materiais dessa natureza com os alunos e incentive-os a pesquisar de modo criterioso, promovendo conversas com direcionamentos e reflexões. 

 Há muitas oportunidades para o trabalho com as competências socioemocionais. Vivemos, notoriamente, um período que nos faz sentir na pele o que é o mundo VUCA (do inglês: volátil, incerto, complexo e ambíguo): não se pode prever o que vai acontecer, mas podemos trabalhar a nossa capacidade de adaptação, de resiliência, de abertura e aceitação ao novo. Isso porque as mudanças e imprevisibilidades do mundo serão cada vez mais constantes e a educação é a base para entendermos que podemos sobreviver a isso, criar, inovar, fazer algo diferente. Precisamos preparar os alunos para lidar com esse mundo, para serem criadores de histórias e projetos de vida flexíveis. 

Outro ponto é a dosagem dos conteúdos e a variedade no formato desses conteúdos. Sejam inéditos ou obtidos por curadoria, é preciso considerar  que os alunos têm diferentes níveis de interesse, de aprofundamento, que há diferenças na aprendizagem. Assim, um vídeo muito extenso, de linguagem muito complexa, sem elementos de interação, convites para reflexão ou chamadas para ação, dificilmente, irá prender a atenção dos alunos ou permitir que eles trabalhem ativamente. Além disso, textos, podcasts, lançamento de desafios ou propostas de pesquisas variam a forma dos alunos trabalharem, intercalando momentos de aprendizagem ativa e tradicional e criando estímulos para que eles aprendam de forma mais independente. 

O oferecimento de conteúdos pode ser acompanhado por uma avaliação formativa. Isso significa dar devolutivas constantes aos alunos a medida que eles interagem com o conteúdo. A avaliação deve acompanhar todo processo de aprendizagem e não apenas o final dele. Por exemplo, peça aos alunos que externalizem o pensamento por meio de questões, dúvidas, resumos, pesquisas e use tudo isso como evidências de aprendizagem. 

Além disso, o planejamento é fundamental. A principal característica desse planejamento é a sincronização entre quatro elementos da situação pedagógica: os objetivos de aprendizagem, o conteúdo, a metodologia e a avaliação. 

O que eu quero dizer com essa sincronização é que o professor precisa identificar as características do conteúdo, conhecer a metodologia e adequá-los aos objetivos de aprendizagem (o que ele deseja e/ou espera que o seu aluno aprenda). Por exemplo, não adianta um professor propor como objetivo “criar argumentos fundamentados” se, durante a situação de aprendizagem, deu uma aula expositiva (e não dialogada) em que não permitiu a participação, questionamento ou expressão do aluno em momento algum. A pergunta é “O que você propiciou para que o aluno exercitasse e atingisse determinado objetivo?”

O mesmo acontece com o tipo de avaliação. Se o professor nunca trabalhou interpretação de gráficos ou tabelas durante as aulas, não é coerente colocar, na prova, uma exercício em que o aluno deva interpretar um gráfico ou uma tabela ou extrair dados para trabalhar especulações. 

O professor assume, portanto, a tarefa de planejar e elaborar um design para a aula a partir  dos objetivos de aprendizagem que deseja atingir. Esses objetivos devem ser o ponto de orientação do professor para escolher e planejar.  

 Ao pensar a experiência de aprendizagem há uma intencionalidade no professor. E, nesse momento, a intencionalidade precisa ser reforçada. É essa intencionalidade que liga o processo de ensino à aprendizagem. E, portanto, o professor precisa saber se a sua escolha metodológica e sua forma de conduzir a situação de aprendizagem possibilitou que os seus alunos aprendessem e os objetivos previstos fossem atingidos durante o processo.

Isso é condição para qualquer cenário de aprendizagem. As avaliações processuais, o acompanhamento constante, dar espaço para o aluno falar, incentivá-lo a externalizar seu pensamento são ações que permitem a identificação de como os alunos estão aprendendo, o que eles estão aprendendo, quais são as dificuldades e como está o atingimento dos objetivos. Com base nisso, é possível reformular ou acrescentar metodologias e materiais durante o processo de aprendizagem. 

 A tecnologia (analógica ou digital) é uma grande aliada e permite a criação de novos significados, novas experiências e aprendizagens!  Porém, o modo como ela pode ser usada em uma situação de aprendizagem é uma criação do professor. É ele quem articula a tecnologia com os propósitos da aula e com a experiência de aprendizagem que o aluno poderá ter. 

 Não há uma única forma, um modelo de aprendizagem remota que servirá para todos os professores, todos os cenários. Haverá inúmeras. Estamos experimentando. E por isso, a partilha é fundamental e, mais do que nunca, é tempo para aprender. A formação de professores é contínua, ao longo da vida. Se possível, converse com pares, fale sobre dificuldades, dúvidas, sobre o que acha que deu certo, o que não deu, sobre ideias, projetos. 

E uma questão muito importante: Mais do que nunca, o papel do professor é fundamental. Não se pode duvidar da representatividade que ele têm na vida dos alunos, da comunidade. Uma coisa é certa: o mundo vai continuar mudando sempre; sempre haverá muito para aprender, para construir. O professor não sabe tudo, não pode prever as mudanças, mas pode ser aquele que ressignifica a prática de ensinar e aprender. 

“O objetivo da educação é criar a alegria de pensar” – Rubem Alves

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